O Rei das Cidades

Segundo relatos históricos, em 1903, quando o Rio de Janeiro se portava como um vasto hospital, mergulhado em epidemias, o prefeito Pereira Passos autorizou a introdução do pardal (Passer domesticus) para que esse combatesse efetivamente as pragas que alastravam a cidade. Oswaldo Cruz, era o diretor-geral da saúde pública no país que na época coordenava as campanhas de erradicação da febre-amarela e varíola na cidade do Rio de Janeiro. Soube de um amigo influente de Portugal que por lá existia um passarinho generalista na alimentação e de população abundante, que havia se espalhando pelo mundo. Oswaldo Cruz não pensou duas vezes e com o aval do prefeito o pardal foi introduzido na cidade do Rio de Janeiro, se alastrando posteriormente pelo Brasil.

De qualquer forma, um dia ou outro tal fato aconteceria, pois, trata-se de uma espécie cosmopolita, ou seja, encontrada em todo o mundo, em diferentes climas e temperaturas. O fato de ser generalista certamente favoreceu a sua excelente capacidade adaptativa e reprodutiva. Nas cidades formam bandos de até 100 indivíduos, pois possuem comportamentos variados, são altruístas e gregários, mas podem também ser solitários e territorialistas. Não tenho dúvidas que o pardal é a voz das cidades, não possui um canto, mas uma vocalização característica, que começa nas primeiras horas do dia.

O pardal se especializou a vida urbana. É um oportunista nato, pois encontrou nas cidades o nicho ideal para o sucesso de sua espécie. Além de se alimentar de tudo, o pardal se especializou também na arte de ocupar espaço, como diz no popular “não tem tempo ruim!” Inclusive, essa capacidade vem atrapalhando a reprodução de outras espécies como as andorinhas.

Na evolução, é comum verificarmos que algumas espécies migraram para outros locais, caso contrário não seria possível efetivar o surgimento de novas espécies. O pardal é um invasor que já faz parte da fauna brasileira, com uma particularidade importante: a medida que se avança para a zona rural suas populações vão diminuindo. Quanto mais preservado for o local, menor será a probabilidade de se encontrar um pardal. O pardal evoluiu no acompanhamento das atividades humanas. Seria trágico se esse invasor fosse apreciador de áreas mais naturais, mas não, prefere áreas que já se encontram alteradas pelo homem. Sendo assim, seu potencial invasor se funde ao nosso cotidiano das cidades, pouco interferindo nas relações ecológicas de outras espécies. Talvez, o pardal seja o nosso grande leão de xácara, controlando pragas e insetos indesejáveis, além de ser um ótimo catador de lixo. Oswaldo Cruz não estava errado!

Para os que reclamam das suas grandes populações, verão que o reinado nas cidades se encontra ameaçado por outras espécies que chegaram para ficar. Pude observar, em função disso, que as populações de pardais vêm diminuindo. Embora ainda muito populosos, os pardais estão perdendo espaço para as maritacas (Psittacara leucophthalmus) e os canários-da-terra (Sicalis flaveola). Estes com populações inferiores, porém, conseguiram de certa forma frear o ímpeto do pardal nas zonas urbanas. Pois é, não tem vida fácil nem pra pardal! 

📌Texto e Registro: Fernando Capela biólogo/ornitólogo e ilustrador @fernando.capelartes

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